“Há na psicanálise, desde sua origem, uma interrogação sobre o desejo: Lacan enuncia por diversas vezes que a pergunta Was will das weib? (o que deseja uma mulher?) teria acompanhado Freud ao longo de mais de trinta anos. Dessa interrogação surge – como a pergunta partilhada no final do século XIX entre Breuer e Freud diante da cama das histéricas – uma clínica que visava dar conta do sofrimento psíquico, aquele que não deixa encontrar no corpo orgânico uma causa cabal do mal que aflige o paciente. (...)
É da suposição de que as ideias, inclusive as psicanalíticas, viajam, deslocam-se, e são apropriadas de forma distinta em discursos diversos, que parte este trabalho. O desterrar-se das ideias em geral, e das ideias psicanalíticas em particular, não se limita a seu curso geográfico em torno ao globo; no caso da psicanálise, assistimos, ao longo do século vinte, a um deslocamento da clínica à etnografia, à sociologia, à literatura, ao teatro, ao cinema, ao mercado, numa palavra, da clínica à cultura. Mas, há que se perguntar: A questão fundadora da psicanálise – aquela que procura dar conta do desejo, e de dizer algo do sofrimento humano – a incômoda pergunta que surge como razão de ser da psicanálise, ao passar para o lado da cultura, manteve-se ou não a mesma? (...) Dito de outra forma, de clínica do indizível pela fala a artefato partilhável da cultura, o que passou de um lado a outro? Tal pergunta é guia que conduz para um ponto cego, algo que poderá ser, quiçá, melhor falado ao final destas linhas. O que podem falar sobre o desejo, à maneira da psicanálise, o teatro, a teoria, a literatura?”
“Da clínica do desejo a sua escrita propõe um mapeamento da chegada do pensamento psicanalítico em duas regiões das Américas: Brasil, a partir dos anos vinte, e Caribe, a partir dos anos 40. Discute-se a presença e a produtividade do pensamento de Freud na discussão intelectual paulistana, através de autores como Mário de Andrade, com suas edições anotadas de Freud em francês, cotejando-as com sua literatura. Daí parte-se ao Rio de Janeiro, com a particular incidência da psicanálise na obra do dramaturgo e cronista Nelson Rodrigues, que soube como poucos fazer um pastiche do pensamento de Freud e, ao mesmo tempo, alcançá-lo noutra instância pela via do trágico. Do Caribe recolhe-se o fermento de Freud e Lacan na obra de Frantz Fanon, que se valeu da apropriação da psicanálise para interrogar o conflito racial e a descolonização africana. Finalmente, o périplo se encerra em Cuba, através de exilados como Severo Sarduy, cuja leitura de Lacan, estabelecida em proximidade com o grupo parisiense da revista Tel Quel sugere um acirramento de posições arraigadas de um catolicismo natal. As diversas apropriações do pensamento psicanalítico dão mostra de uma produtividade outra das ideais de Freud e Lacan na escrita destes autores. Cabe-nos mostrar como o desejo se configura em cada um deles.”
SOBRE O AUTOR:
Wilson Alves-Bezerra é doutor em literatura comparada pela UERJ e mestre em língua espanhola e literaturas espanhola e hispano-americana pela USP. Atualmente é professor de Departamento de Letras da UFSCar, onde atua na graduação em Letras e no programa de pós-graduação em Estudos de Literatura (PPGLIT).
É autor de Reverberações da fronteira em Horacio Quiroga (Humanitas/ Fapesp 2008).
Tem colaborado como resenhista em jornais como O Globo, O Estado de São Paulo, Zero Hora e Jornal do Brasil. É tradutor literário de autores hispano-americanos, como Horacio Quiroga (Contos da Selva, Cartas de um caçador, Contos de amor de loucura e de morte, todos pela Iluminuras) e Luis Gusmán (Pele e Osso, Os Outros, ambos pela Iluminuras). Sua tradução de Pele e Osso, de Luis Gusmán, foi finalista do Prêmio Jabuti 2010, na categoria Melhor tradução literária espanhol-português.
O presente livro é fruto da tese de doutoramento defendida no ano de 2010 no programa de pós-graduação em Letras da UERJ, sob orientação do Prof. Dr. Guillermo Giucci.