Entre a segunda metade do século XIX e a primeira do XX, os manuais escolares de leitura consistiram num dos principais instrumentos de esino da escola brasileira. Este livro – nascido de investigações realizadas por equipes das universidades federais de Pernambuco e Minas Gerais – busca entender as características, os usos, a produção e o lugar desses manuais nos processos de alfabetização e de organização e institucionalização da escola brasileira. Para isso, apresenta diferentes estudos, alguns de natureza mais ampla e descritiva, outros de natureza monográfica, que verticalizam a abordagem de um tema. A reunião desses estudos – publicados anteriormente de modo esparso – busca fornecer elementos para a reconstrução, na forma de um mosaico, da trajetória desse gênero de livro, por meio da análise da morfologia dos manuais (que vão de livros religiosos, catecismos republicanos, a livros de leitura manuscrita e narrativas ficcionais), de seu circuito de comunicação, dos saberes que procuravam transmitir e dos modos de organização da prática escolar que objetivavam favorecer.
TEXTOS QUE COMPÕEM A OBRA:
APRESENTAÇÃO
O ESTUDO DOS MANUAIS ESCOLARES E A PESQUISA EM HISTÓRIA
Ana Maria de Oliveira Galvão
Antônio Augusto Gomes Batista
O CONCEITO DE “LIVROS DIDÁTICOS”
Antônio Augusto Gomes Batista
LIVROS DE LEITURA: UMA MORFOLOGIA
Antônio Augusto Gomes Batista
Ana Maria de Oliveira Galvão
O LIVRO ESCOLAR DE LEITURA NA ESCOLA IMPERIAL
PERNAMBUCANA: TIPOS, GÊNEROS E AUTORES
Ana Maria de Oliveira Galvão
A CIRCULAÇÃO E USO DO LIVRO ESCOLAR DE LEITURA
EM PERNAMBUCO NO SÉCULO XIX
Ana Maria de Oliveira Galvão
DOS PAPÉIS VELHOS AOS MANUSCRITOS IMPRESSOS:
PALEÓGRAFOS OU LIVROS DE LEITURA MANUSCRITA
Antônio Augusto Gomes Batista
A “MAIS TERRÍVEL DAS INSTABILIDADES”: UM LIVRO DE LEITURA
LUSITANO SE APLICA ÀS CRIANÇAS BRASILEIRAS DO SÉCULO XIX
Antônio Augusto Gomes Batista
LER, ESCREVER E APRENDER GRAMÁTICA PARA A VIDA PRÁTICA:
UMA HISTÓRIA DO LETRAMENTO ESCOLAR NO SÉCULO XIX
Ana Maria de Oliveira Galvão
APRESENTAÇÃO
Este livro apresenta os resultados principais de uma pesquisa, realizada com apoio do CNPq, voltada para a exploração dos livros escolares, sobretudo os de leitura, produzidos ou utilizados no Brasil, nos séculos XIX e nas primeiras décadas do século XX.
A palavra “exploração” deve ser enfatizada. Na época de sua realização, nos primeiros anos da década de 2000, não dispúnhamos, ainda, de levantamentos mais extensos sobre a produção editorial destinada ou utilizada pela escola, como aqueles em desenvolvimento por diferentes grupos de pesquisa que, sob a coordenação de Circe Bittencourt, da Universidade de São Paulo, vêm agora se dedicando à criação de uma ampla base de dados sobre os manuais escolares. Diante de um campo do qual se conheciam as áreas mais costeiras, não nos restava senão realizar uma exploração do universo envolvido na produção e na utilização de livros escolares no período.
Esse trabalho de exploração foi feito de três modos. Em primeiro lugar, buscamos levantar informações sobre os livros que estavam associados à escola no período, procurando apreender as formas que assumiram no período e, sempre que possível, identificar os agentes e processos envolvidos em sua produção e uso. Desse esforço, nem sempre completamente bem sucedido, resultaram o terceiro, quarto e quinto capítulos deste livro.
Para a apreensão da morfologia dos livros escolares de leitura e para a identificação dos agentes que participavam da vida dos livros, o trabalho cotidiano com as fontes (pareceres, correspondências oficiais, livros, decretos e testemunhos) não poderia ser feito, em segundo lugar, sem uma concomitante reflexão sobre nossas próprias tomadas de decisão a respeito do trabalho em curso: como lidar com essas fontes? Como dar sentido a elas? Sempre experimentando uma espécie de deslocamento construído pelas perguntas do presente e pela opacidade do passado, pelo desejo de compreensão e pelos limites a ela impostos pelas fontes, esses restos que fazem, muitas vezes, ecoar apenas as nossas indagações, como proceder? Como fazê-lo de modo a permitir um conhecimento desse território ainda pouco explorado? A exploração e a identificação das fontes não pôde ser feita, portanto, sem uma correspondente e simultânea reflexão teórico-metodológica sobre nosso objeto e nossos procedimentos de trabalho. Os resultados desse esforço, no qual reconhecemos hoje nas hesitações e nosso ir-e-vir errático, originaram os dois primeiros capítulos.
Os três últimos capítulos resultam de um terceiro modo de exploração de nosso objeto. Se, nos dois anteriores, tratava-se de fazer uma espécie de cartografia do território, nos capítulos finais, diante, na expressão de Carlo Ginzburg, (Nenhuma ilha é uma ilha: quatro visões da literatura inglesa. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.) de pontos de opacidade nos quais tropeçamos, tratou-se de fazer prospecções em pequenas áreas, a modo de estudos monográficos, que nos pareciam férteis para compreender perguntas propostas pelas ruínas do passado: a continuidade de livros manuscritos (mas impressos) de leitura na escola, a presença de livros lusitanos num país ansioso por criar uma identificação de seu povo a uma singularidade de seu caráter e de sua história, o papel dos livros de gramática na instrução elementar.
Falamos mais acima de um ir-e-vir de um andar errático. Os capítulos que compõem o livro não foram originalmente escritos na ordem de sua apresentação, nem o foram para compor este livro. Foram publicados anteriormente em coletâneas ou apresentados em congressos. Se tentamos, por uma nova ordenação, pela supressão e reelaboração de trechos e pela redação de novas passagens (quando o trabalho de dar a eles organicidade nos revelavam novas possibilidades de análise), o leitor não deixará de encontrar nos capítulos certa repetição e lacunas que, para continuar as analogias que nos permite o termo “exploração”, continuaram para nós, como diziam os cartógrafos da época das descobertas, uma “terra incógnita”. Propomos, por isso, que esse livro, dado seu ir-e-vir, dado o fato ter-se construído de uma forma não-linear, assim também seja lido: como um mosaico antigo, no qual cada peça pode ser reconhecida individualmente, mas que, ao mesmo tempo, compõem uma figura, uma paisagem, da qual fragmentos foram perdidos com o tempo e com as sucessivas intervenções que um tempo, uma vez tempo presente, fez sobre um tempo tornado passado.
A pesquisa que deu origem a este livro foi realizada por duas equipes diferentes, que se voltaram para distintos espaços geográficos, temporais e sociais. Ana Maria de Oliveira Galvão coordenou uma equipe na Universidade Federal de Pernambuco, no Núcleo de Estudos e Pesquisas em História da Educação em Pernambuco (NEPHEPE), dirigindo sua atenção para os livros produzidos ou utilizados, no século XIX, na província, depois estado, de Pernambuco. Antônio Augusto Gomes Batista coordenou uma equipe na Universidade Federal de Minas Gerais, cuja atenção se voltou predominantemente para o período republicano. Nos dois casos, as opções se deram não particularmente para se poder abranger um período mais longo da história dos livros de leitura no país, mas, antes de tudo em função das limitações e possibilidades que cada equipe encontrou para se esforçar para criar e assegurar a existência de setores de documentação sobre o livro escolar e sobre a escola nas duas universidades.