Um leitor que, inspirado pelo título, se debruce sobre este livro com uma pretensão, digamos, romântica, certamente se surpreenderá com a objetividade do poeta romano Ovídio: sua Arte de amar trata, mais especificamente, de técnicas (um dos sentidos de artes, em latim) de conquista, sedução, envolvimento amoroso e carnal, sem, contudo, envolvimento emocional da parte do sedutor! ... Onde encontrar uma namorada, um amante na antiga Roma? Como seduzir e de que modo manter viva a chama da paixão? Assim é que, em sua elegia didática, o poeta se coloca no lugar de um professor que se propõe a oferecer a homens e mulheres “ensinamentos” bastante práticos (por vezes, beirando o cinismo nas suas “lições”, como quando ensina o homem a fingir que está chorando...), indo a minúcias como o que escrever ou não nas cartas, como se vestir e se comportar num encontro, e a detalhes um pouco mais picantes... É verdade que, por vezes, soa desconcertante a parcialidade deste conquistador romano do século I a.C. Mas, o exagero ad absurdum, as eruditas referências mitológicas e literárias, o estilo ovidiano como um todo colocam em cheque a crueza da abordagem e concedem licença poética à refinada ironia pela qual os versos da Arte de amar vêm sendo apreciados e imitados desde a Antiguidade. Agora este “tratado de amor”, que vem ressoando em tantas obras consagradas -- na poesia provençal, na Renascença italiana, nos palcos do teatro de um Shakespeare ... --, pode ser lido diretamente em sua tradução para o português brasileiro atual.
Matheus Trevizam - Professor de Língua e Literatura Latina na Faculdade de Letras da UFMG e coeditor da Revista Nuntius Antiquus, escreveu seu Mestrado sobre a Arte de Amar de Ovídio e Doutorado sobre prosa e poesia didáticas em língua latina (Catão, o Velho; Varrão; Virgílio), ambos defendidos na Unicamp. Realizou estágio pós-doutoral na Universidade de Paris-Sorbonne (França) e é autor de diversos estudos sobre esses temas e afins, dedicando-se atualmente à tradução de obras técnicas produzidas na antiga Roma.
O poeta romano Públio Ovídio Nasão (43 a.C. - 17 d.C.) compôs suas obras durante o principado de Augusto. Legou-nos, sobretudo, elegias eróticas (Amores, Arte de amar, Remédios para o Amor, Cartas das Heroínas...), mas escreveu também em outros gêneros poéticos, desde um poema épico (as Metamorfoses) até epistolas em versos retratando-se como exilado (Tristes e Pônticas), e ainda uma tragédia (Medeia, hoje perdida). Uma das grandes inovações de Ovídio foi, precisamente, mesclar os gêneros, quebrando convenções em que seus textos se inseriam. Somando-se a isso a riqueza das imagens, o poeta produziu obras inspiradoras, que influenciaram artes verbais e visuais de sua época e de tempos posteriores, até nossos dias.