Esta abrangente publicação a respeito do Centro Espírita Beneficente União do Vegetal é um retrato complexo de uma organização religiosa brasileira que utiliza duas plantas psicoativas como parte de seus rituais espirituais no Brasil, Estados Unidos e Europa. O foco do livro é a sua história, estrutura organizacional, conhecimento científico das plantas, crenças espirituais e uso ritual por adolescentes. Alianças entre a UDV e outras entidades religiosas, que utilizam a Hoasca como sacramento, são apresentadas. Este livro nos dá um insight de um complexo movimento social bem à frente de seu tempo. Para quem se interessa por espiritualidade no século XXI, é imperativo possuir este livro na sua biblioteca.
“No Brasil é muito forte um discurso da unidade nacional em que se dá ênfase ao que temos de comum entre nós. Ao lado dele permite-se que viceje o elogio da diferença, mas em geral de modo subordinado, na forma de uma diferença secundária, que se manifesta, por exemplo, nos chamados usos e costumes; ou, então, que se refugia lá longe, nas florestas e rios, de um modo aparentemente exótico que podemos tutelar e não nos ameaça de contágio. Este livro, na contramão das tendências estabelecidas, é um exemplo entre outros de um novo tipo de tendência: a da diferença forte, que, no entanto, está cada vez mais próxima de nós e que quer falar por si mesma.
Quem nos fala aqui é o Centro Espírita Beneficente União do Vegetal, mais conhecido como UDV. Ele também surgiu em distantes florestas e rios, mais propriamente no antigo território do Guaporé, hoje Rondônia, sendo seu fundador um soldado da borracha vindo da Bahia. Mas não ficou oculto por muito tempo e por isso mesmo, tal como no caso de outros grupos religiosos que de alguma maneira pareciam ameaçar a auto-imagem do país que se pretendia uno, foi objeto de duras repressões. Ainda assim cresceu, apareceu, ultrapassou os limites de um grupo exclusivamente religioso (nesse processo embaralhando as nossas categorias) e mudou a sua sede para Brasília, o centro político do país. O presente livro é produto de um congresso internacional que demonstra o amadurecimento institucional da UDV. Nele se apresentam as suas próprias visões de si mesmo e de questões de grande interesse público, como ciência, meio-ambiente, liberdade religiosa, dimensões do sagrado, neuropsicologia, uso de drogas psicoativas, educação, memória, beneficência, direito, relações entre Estado e sociedade. Dessa forma, demanda-se reconhecimento e o estabelecimento de uma relação de diálogo e simetria com a academia. Academia na qual muitos dos intelectuais participantes estão, aliás, de diversas formas inseridos.
É de se esperar que ao invés de considerar tudo isso apenas uma estranha ameaça aos estilos de trabalho e ao poder acadêmicos, que pelo contrário se aceite como um desafio promissor para o desenvolvimento de um novo Brasil, verdadeiramente plural. E para o desenvolvimento também de uma universidade que possa acolher representantes dos mais variados agrupamentos e constitua uma pauta de pesquisa em que estejamos todos envolvidos, redundando num autoconhecimento que seja produto e ao mesmo tempo conduza na direção de uma crescente autonomia intelectual e um rico processo de interculturalidade adequados a este novo século.” Otávio Velho